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25 de Julho de 2012 | Entrevistas | Anti-neoliberalismo | Direitos humanos
As organizações uruguaias REDES – Amigos da Terra e FESUR realizam nesta quinta-feira uma atividade pública na capital do país, Montevidéu, sobre “A demanda da Philip Morris contra o Uruguai: contexto e consequências potenciais dos tratados de investimentos”.
Ali farão uso da palavra, representantes das duas organizações e dois especialistas nesses temas, o argentino Carlos Correa e o colombiano Germán Velázquez, integrantes do South Centre, instituição intergovernamental com sede em Genebra (Suíça) dedicada ao apoio de países em desenvolvimento. Além dessa atividade, REDES – AT realizará pela manhã uma oficina para jornalistas sobre o tema também com a participação dos especialistas.
Rádio Mundo Real entrevistou Alberto Villarreal, de REDES – Amigos da Terra Uruguai, para conhecer os motivos que promoveram à organização ecologista a realizar a atividade pública desta quinta-feira junto a FESUR.
O primeiro governo da Frente Ampla no Uruguai (2005-2009), liderado pelo oncologista Tabaré Vázquez, implementou várias políticas de saúde destinadas a reduzir o consumo de tabaco no país, começando pela proibição de fumar em espaços públicos fechados e áreas de trabalho. Outras das medidas foram, por exemplo, a proibição de que as empresas tabacaleiras vendam diferentes tipos de apresentações de uma só marca de cigarros (resolução do Ministério de Saúde Pública 514/09), e a obrigação de que as advertências sobre o risco de fumar ocuparam 80 porcento dos dois lados principais das caixas de cigarros (Decreto 287/09).
A empresa Philip Morris, com sede nos Estados Unidos, argumentou que essas políticas do governo uruguaio atacaram seus interesses e vulneraram seus direitos de propriedade intelectual. Explicou, por exemplo, que a colocação de imagens denunciando o tabaco em 80 porcento das principais caixas de cigarros não permite mostrar as marcas, portanto se estaria, segundo seu ponto de vista, desapropriando indiretamente o investimento sem compensações.
Por isso Philip Morris apresentou em março de 2010 uma demanda contra o Estado uruguaio no Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI), tribunal de resolução de controvérsias do Banco Mundial. A companhia fundamenta sua demanda no Tratado de Proteção de Investimentos, que foi firmado entre Uruguai e Suíça, onde a empresa tem sua base de operações. O julgamento está em andamento.
“É a primeira vez que são direitos de propriedade intelectual ou as patentes de uma transnacional dentro de um Tratado de Proteção de Investimentos, neste caso entre Uruguau e Suíça, para demandar um governo e exigir-lhe indenização por perdas econômicas”, disse Alberto Villarreal à Radio Mundo Real. Conforme a imprensa, Philip Morris exige que o Uruguai pague 2 bilhões de dólares. Além disso, a empresa, que anunciou sua retirada do país em outubro do ano passado, exige que sejam anuladas as legislações contra o tabaquismo.
Alberto afirmou que Philip Morris lucra por ano 90 bilhões de dólares, o dobro do Produto Bruto Interno do Uruguai. Para REDES – AT a demanda dessa empresa demonstra como as determinações sobre propriedade intelectual podem ser um obstáculo para as políticas de desenvolvimento dos países.
Alberto admitiu que é possível que o governo uruguaio não possa reverter os tratados de investimentos já assinados, mas disse que é necessário que tenha muito mais cuidado de agora em diante. “Não é um dogma que para atrair investimentos devamos firmar estes acordos de investimentos”.
Os capítulos de investimentos dos Tratados de Livre Comércio (TLC) possuem características similares aos Tratados de Proteção de Investimentos. Talvez o mais nocivo seja “a possibilidade de que se da a uma empresa privada de Estado em tribunais extra-territoriais. É um despropósito que essa possibilidade seja dada aos investidores. Pelo menos deveriam revisar essas condições”, disse o integrante de REDES - AT.
O ativista uruguaio lamentou que existe ainda “uma nova geração” de acordos, “ainda mais neoliberal”, que são “contratos diretos” entre corporações transnacionais e Estados. É o caso por exemplo do contrato de investimento assinado entre o Uruguai e Montes del Plata (consórcio das florestais Arauco de Chile e Stora Enso da Suécia e Finlândia), para instalar uma segunda fábrica de celulose no país. “Têm condições leoninas”, alertou o ambientalista.
Alberto Villarreal chamou a atenção também sobre as ameaças das empresas de realizar demandas internacionais, como forma de forçar os governos a revisarem suas políticas. Algumas vezes nem sequer são as empresas as que fazem as ameaças, e sim os escritórios de advogados que lucram vários milhões de dólares, explicou. Esses advogados podem ser contratados como árbitros ou como defensores para os casos no CIADI.
O integrante de REDES – AT afirmou que os tribunais do CIADI são “piada”, denunciando a incidência do Banco Mundial na eleição de árbitros para os julgamentos. Manifestou ainda que geralmente as sentenças favorecem as empresas e são inapeláveis. O ativista denunciou o secretismo que impera no CIADI e as conseguintes dificuldades para ter acesso à informação detalhada dos casos.
REDES – AT realiza as atividades desta quinta-feira para alertar sobre as consequências dos tratados de investimentos e sobre a necessidade de revisar essas “concessões” e “cheques em branco” dados aos investidores. Para Alberto, o atual modelo de desenvolvimento latino-americano baseia-se no extrativismo e a cessão de soberania aos investidores. Isso deve mudar se quisermos políticas de desenvolvimento sustentáveis e justas de um ponto de vista ambiental e social, disse, ao tempo que destacou o trabalho dos movimentos sociais em busca dessa mudança. “Se não podemos pressionar o governo para que seu poder seja exercido para o bem de sua população, estamos fritos frente às transnacionais”, afirmou o ativista.
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