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18 de junio de 2009 | | |

Caduca a impunidade

O processo de anulação da lei de caducidade no Uruguai

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No fim de junho, começará oficialmente no Uruguai a campanha para promover um referendo muito particular; através dele pretende-se anular a lei que tem permitido que os militares que torturaram, sequestraram e assassinaram durante a última ditadura militar –que ocorreu de 1973 a 1985- ainda continuam impunes.

Durante cerca de dois anos, tem sido realizada uma campanha de abaixo-assinado para realizar o referendo que permita anular essa norma, conhecida como lei da caducidade da pretensão punitiva do Estado, e que foi adotada no clima de medo que ainda estava presente no Uruguai durante os anos posteriores à recuperação democrática.

A campanha terminou no passado 24 de abril, chegando ao número de 340.043 firmas, que é bastante significativo levando em conta que o país tem cerca de três milhões de habitantes.

Rádio Mundo Real conversou com vários protagonistas que estiveram envolvidos no processo de anulação da lei, uma dessas pessoas foi Sara Méndez. Ativista política durante toda a sua vida, e especialmente, na área de direitos humanos.

Durante a ditadura, Sara teve que ir para a Argentina, onde mais tarde foi presa –já que as ditaduras do cone sul estavam coordenadas-, e enquanto estava em prisão, os militares sequestraram seu filho, Simón Riquelo. Ouvimos o que nos dizia Sara:

Essa repressão não teve reservas com crianças, ou seja que as crianças das pessoas sequestradas, ou inclusive as mulheres que estavam grávidas, eram sequestradas também. As crianças foram apropriadas por estas forças repressivas, e as mulheres grávidas tiveram seus filhos, aguardou-se o momento do parto, e logo fizeram com desaparecê-las e também sequestraram as crianças nascidas em prisão. Meu filho,que tinha 20 dias quando chegam a minha casa e me sequestram, vai quedar desaparecido, e recém cerca de 26 anos depois posso encontrá-lo. 26 anos que foram de uma busca muito intensa, e muito prolongada. Isto, resumindo minha história pessoal. Sem dúvida a procura de meu filho, mas também o fato de ter sido parte dessa forma repressiva da desaparição forçada, ter hoje dezenas de companheiros, amigos, companheiros de militância, que estão hoje como desaparecidos, que a maioria eram jovens de vinte e poucos anos, levou a me envolver diretamente no campo dos direitos humanos, e desde minha saída do penal de Punta Rieles até hoje, tenho militado no campo dos direitos humanos.

Sara explicou por quê acredita que é importante anular a lei que permite a impunidade.

Tem se promovido uma reforma constitucional para fazer com que esta lei que hoje continua em vigor no Uruguai e que está limitando-nos, além do fato de ter podido avançar em alguns casos porque haviam acontecido no estrangeiro, ou porque eram civis os que os haviam executado, mas a maioria dos casos permanecem ainda dentro da lei de caducidade. Inclusive no caso de meu filho; nunca consegui avançar saber quem o sequestrou, como foram os acontecimentos. Simplesmente através de uma investigação particular conseguiu-se localizá-lo, mas se mantém o silêncio e o segredo: digo isto como um exemplo de fatos onde aconteceram coisas talvez mais graves, como quando uma pessoa está desaparecida. Esta reforma constitucional proposta hoje, acredito que é um grande desafio, pelos anos que têm passado e porque demonstra que ainda existe uma consciência cívica em nosso povo que propõe-se que uma lei aberrante como esta, que permite a impunidade para pessoas que têm cometido delitos de lesa humanidade, possa ser mantido em nosso código. E que permita, não somente que não se castigue, como também sejam conhecidos os fatos, porque a verdade também continua sequestrada. Pensamos que nos demonstra também como país numa fase muito importante, que talvez seja importante que seja conhecida fora, para a esperança que sempre cabe aos povos quando passam por experiências tão severas como esta.

Outra das pessoas com quem conversamos foi o escritor e dramaturgo Ignacio Martínez. No momento em que foi feito o golpe militar no Uruguai, Ignacio era um militante muito jovem, e apesar de sua juventude foi perseguido e teve que sofrer o exílio, assim como o fizeram tantos outros militantes e artistas nessa época.
Ignacio tem trabalhado nesta campanha para anular a lei, e conforme o explica, o faz para que os que cometeram delitos sejam julgados por isso, mas levando em conta que a anulação também promove que o que aconteceu não se repita no futuro.

Eu me sinto com uma obrigação moral de trabalhar por eles que foram meus amigos, meus irmãos, minhas irmãs, que morreram, que desapareceram, que sofreram, mas também e fundamentalmente, por meus filho, netos e bisnetos, e os que vierem, por que me sentiria muito mal se dentro de 30 ou 40 anos alguém dissesse que o povo uruguaio nesta primera década do século XXI foi incapaz de eliminar uma lei que faz tanto dano para as próximas gerações, porque gera o antecedente de que o Estado pode finalmente criar leis que criem cidadanias de primeiro e segundo grau.

Com isto, Ignacio Martínez refere-se a que, até hoje, a lei cria diferentes tipos de cidadãos; uns que podem ser julgados por seus delitos, e outros que não. E contra isso, também propõe-se a anulação.

Essa visão de futuro talvez explique um pouco por quê milhares de jovens, que não viviam no período da ditadura, decidiram se comprometer com o processo de anulação. Eles foram os que, no dia em que se atingiu o número de assinaturas, organizaram uma festa para celebrá-lo na explanada da Universidade da República; o mesmo lugar em que, nos anos prévios ao golpe – onde a repressão já era o pão de cada de dia-, foram assassinados durante uma manifestação os estudantes Hugo de los Santos e Susana Pintos. E embora a maioria dos que estavam na esplanada da Universidade em abril não viveram nessa época, sentem-se parte dessa história, e isso os leva a mudar a realidade que agora garante a impunidade.

Ouvimos Mariana Licandro, militante estudantil da Federação de Estudantes Universitários do Uruguai, e membro da coordenadora nacional pela nulidade da lei de caducidade, a organização criada para reunir os principais movimentos do país com o objetivo de anular a lei.

Por um lado o processo foi bastante difícil porque nós começamos com toda o processo de abaixo-assinado e a iniciativa de reforma constitucional em 2006. Começamos com a Coordenadora, e neste último tempo foi muito trabalho, porque as assinaturas chegavam a último momento; no último mês chegaram 80.000 assinaturas. Foi muito trabalho, muita organização, e por sorte, da Federação de Estudantes Universitários do Uruguai, somaram-se muitos companheiros jovens, o que por um lado te gratifica, no sentido de que não somos poquitos os jovens aos que nos interessa derrubar a impunidade. E também o dia da entrega de assinaturas foi uma emoção que abrangeu todos nós, porque nós acabamos dia 24 de abril, no dia em que se entregaram as assinaturas, com uma festejo na esplanada da Universidade onde reunimos mais de 5.000 jovens, e estar ai cercados de 5.000 jovens, com diversos artistas que compareceram de forma solidária, no mesmo lugar onde atiraram em Susana Pintos e Hugo de los Santos, nesse momento foi muito emocionante. E era emocionante pensar em nós como jovens com cerca de 18 a 23 anos que se bem temos uma liberdade limitada, temos o direito a poder nos expressar publicamente e pensar que companheiros que estiveram na federação de estudantes, no movimento estudantil, nos 60, 70, nunca puderam fazê-lo.

Além da mobilização da que fala Mariana, onde milhares de jovens festejaram durante horas, uns dias depois foi feita a marcha que se realiza a cada dia 20 de maio, pelos assassinatos dos legisladores Zelmar Michelini e Héctor Gutiérrez Ruiz, e de Rosario Barredo e William Whitelaw, cometidos na Argentina em 1976.

A mobilização realizada pela 18 de julio, principal avenida da capital uruguaia, Montevidéu, tem a presença dos familiares dos assassinados pelo regime militar. A mobilização, denominada “Marcha do Silêncio”, terminou com uma gravação da voz do recentemente falecido escritor Mario Benedetti, pronunciando um poema que escreveu para os desaparecidos, onde diz que em algum lugar devem estar, “lá no sul da alma”.

Para terminar ouvimos a jovem Mariana, que fala dos passos a seguir de agora em diante:

Agora no Uruguai começa o período onde se termina esta etapa, se inicia outra que é o voto pelo “Sim” em outubro, junto às eleições, e que além desta iniciativa que tenta reformar a constituição, deve-se continuar lutando. Além das ferramentas jurídicas e institucionais que nós podemos ter para tentar quebrar a impunidade deve-se continuar trabalhando de outros âmbitos, das organizações sociais, mobilizando-se, denunciando as práticas que foram, e que hoje também se repetem.

(CC) 2009 Radio Mundo Real

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